O isolamento social provocado pela pandemia de Covid-19 obrigou que muitas empresas adotassem o trabalho remoto mesmo sem estarem preparadas para esse modelo.
Essas companhias puderam se familiarizar com uma nova rotina e compreender quais são as vantagens do home office, mas elas seguirão trabalhando nesse formato quando puderem voltar à rotina anterior?
Para abordar essa discussão, conversamos com Lucas Morello, sócio-fundador na Scalout Marketing de Performance e na remotebox, que se define como um nômade digital e adota o regime de trabalho remoto em suas duas empresas.
Para ouvir a 12ª edição do Digicast, basta usar o player acima. Se preferir, você pode ler a transcrição da entrevista feita por Pedro Renan, CEO da Digilandia, logo abaixo.
Olá! Bem-vindos ao Digicast. Sou Pedro Renan, CEO da Digilandia e da Agência Papoca e seu host.
Hoje, no 12º episódio, recebo o Lucas Morello, da Scallout e da Remotebox, para entender se o futuro é mesmo remoto. Seja muito bem-vindo!
Obrigado pelo convite. Estou muito feliz em ter esse papo. Adoro falar sobre trabalho remoto. Não é à toa que faço isso há cinco anos. As empresas que tive são pautadas em trabalho remoto e agora tenho um projeto novo que é ajudar pessoas a se adaptar a essa realidade que é presente.
O trabalho remoto já era a realidade em algumas empresas, mas longe de ser o normal e o comum. Com a mudança forçada que tivemos pela pandemia, as empresas e as pessoas, realmente, adotarão o remoto como estilo de vida e meio de trabalho?
Olhando um pouco as experiências de transição, obviamente, haverá uma atenção maior para o remoto, mas não é necessariamente aquela coisa de que todos migrarão para o remoto, será perfeito.
É muito provável e tem acontecido bastante que as empresas tenham até uma sensação de trauma dessa transição, porque ninguém estava preparado para isso necessariamente.
O trabalho remoto exige rotinas, ferramentas e processos que muitas vezes não são claros quando você está trabalhando de frente para o seu colega de trabalho. É muito comum, na comunicação principalmente, pedir alguma coisa ao colega, bater um papo no corredor.
Todas as rotinas que acontecem de maneira pessoal, quando vão para o ambiente remoto, devem acontecer de forma intencional. Você não encontrará alguém no elevador, na mesa da frente. As coisas mudam de lugar, e as pessoas têm hábitos antigos. E hábitos antigos são difíceis de matar. Temos toda uma adaptação humana ao trabalho remoto que demora por si só.
Existe uma visualização e uma discussão que está acontecendo muito sobre baixa de produtividade. Não só porque existe uma adaptação em curso, mas porque passamos por um tempo muito complexo, com várias incertezas. Todas as pessoas estão com medo.
Na realidade, o trabalho remoto está vindo como uma solução para um momento de crise, mas com vários poréns, que não necessariamente que estamos vivendo agora é realmente o trabalho remoto.
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Concordo muito sobre o sentido de adaptação. E como ela foi forçada, impacta de várias maneiras diferentes, porque ninguém teve tempo de se preparar.
No episódio 9, em que falei com a Fernanda Pereira sobre aspectos jurídicos disso tudo, disse que havia uma glamourização muito grande do home office no sentido de algumas pessoas colocarem fotos em estações de trabalho maravilhosas.
Algumas pessoas vendem isso como se fosse a realidade, mas quem trabalha remotamente há muito tempo sabe que não é assim. Na média, as pessoas, principalmente quem começou agora, não têm uma estrutura, seja de cadeira, mesa ou computador. É uma transição ainda mais difícil justamente por esse processo, porque as pessoas não estavam preparadas. Há pessoas com família em casa. Tudo isso será impactado.
Exatamente. Além das coisas que faço, vivo viajando. Trabalho como nômade digital. Estou em vários lugares. Há ainda aquela ideia de quem trabalha remotamente fica na frente da praia.
Eu, por curiosidade, estou em Búzios agora, junto com outras pessoas que vivem viajando. De fato, sou a pessoa de frente para a praia e para a piscina. Porém, é legal falar sobre essa experiência especificamente, porque não necessariamente significa que estou aproveitando mais ou trabalhando menos.
Na realidade, essa adaptação ao trabalho remoto é até estranha, porque faz trabalhar mais por alguns motivos.
Já ouvi de várias pessoas e aconteceu comigo também que o trabalho remoto resolveria, equilibraria a vida pessoal e a vida profissional, mas não acontece desse jeito.
Muitas vezes, ao trabalhar de casa, você trabalha muito mais, porque não há distanciamento de horas. Se você fica até mais tarde no trabalho, você já sente falta de ter uma cozinha, um lugar para deitar. E todos os confortos de casa estão lá. Você pode tirar um tempinho para fazer alguma coisa, mas volta a trabalhar e fica muito difícil entender onde é o limite.
Por mais que, por exemplo, eu tenha uma praia na minha frente, devo ter olhado a entrada do mar nessa praia privada uma vez ou duas e já estou há quase um mês aqui.
Há essa fantasia de que o trabalho remoto dá mais liberdade, mas, na realidade, só traz liberdade quando você tem uma organização muito clara. E isso não acontece de maneira fácil, nem para quem está acostumado. Nem para minha realidade atual.
Hoje, com duas empresas rodando, estou tendo de lidar com a crise, trabalhar muito mais e, às vezes, com muita dificuldade em dividir esse lado pessoal e profissional, porque acaba afetando minha emoção e minha saúde mental. Tenho de tentar organizar tudo e, ao máximo, dividir esses dois espaços.
Existe uma glamourização do trabalho remoto, ele realmente aumenta a produtividade, mas também tem a ver com essas questão de as pessoas não conseguirem dividir bem esses espaços pessoais de trabalho.
No livro que citamos aqui, o Remote, é falado do mito do chefe antigo de que, no trabalho remoto, se você não pode ver, não é possível controlar. E não há controle, as pessoas não produzem. E ele fala exatamente isso de que a tendência é que as pessoas produzam mais por estarem em casa. Mas isso não é saudável. E temos de parar de glamourizar isso de que é saudável se matar de trabalhar, não ter hobby ou passatempo.
Você falou da Remotebox e ela nasceu para ajudar pessoas que querem trabalhar remotamente ou que foram forçadas a trabalhar dessa maneira. Quais dicas você daria para quem está começando agora? E, se pudesse separar um pouco, quais dicas seriam para quem já está há um bom tempo trabalhando remotamente?
A primeira coisa para um trabalho remoto é estabelecer uma rotina de trabalho. E rotina não é, necessariamente, acordar, colocar uma roupa e tudo mais. Gosto de falar isso porque você deve estar vendo muitas dicas sobre como começar a trabalhar ou ser mais produtivo.
Primeiro, entenda que você, provavelmente, não será produtivo no primeiro mês, porque haverá várias adaptações. Você terá de estudar sobre trabalho remoto. É natural que isso aconteça, porque você não sabe quais são as ferramentas, como se comunicar.
Há coisas muito complexas do trabalho remoto, como comunicação assíncrona e síncrona. Vocês já ouviram falar sobre isso? Não é algo comum quando falamos de trabalho in loco, e isso é muito importante para o trabalho remoto.
A dica que dou é que a rotina matinal é a coisa mais importante. Antes de trabalhar, separe uma ou duas horas em que você fará coisas que gosta, como ler um livro, fazer algum exercício, conversar com alguém que gosta.
É muito comum na rotina de trabalho que não é remoto acordar e ter de pegar o trânsito. Nesse tempo que você estaria no trânsito, use para você mesmo. Ele te ajudará a se concentrar, a baixar sua ansiedade, a ser mais produtivo e se concentrar um pouco melhor.
Existem milhões de rotinas, não há uma que funcione melhor. Darei exemplo da minha.
Adoro ducha. A primeira coisa que faço é tomar banho. Tomo um café da manhã bem longo. Escrevo tudo o que está na minha cabeça no meu caderninho e, a partir daí, organizarei minha rotina, definindo quais são as três tasks mais importantes do dia. E, a partir disso, começo a trabalhar.
A partir disso, tenho uma rotina de trabalho que funcionará de duas a três horas. Tenho uma pausa e, dentro dela, coloco algum tipo de recompensa se eu cumprir com o planejado das três primeiras horas.
Se vou fazer almoço logo depois, coloco algum tipo de doce que eu não ia comer, apenas para me sentir mais estimulado a entregar determinadas coisas.
À tarde, também faço uma rotina de três horas de trabalho, em que coloco algum tipo de incentivo no final do dia, para eu entender que posso equilibrar as duas coisas.
No caso do incentivo da noite, falo algo mais apelativo. Sei que muitas pessoas não têm essa possibilidade. Aqui, tenho uma piscina. Quando está calor, entro na piscina e acabo produzindo mais.
Portanto, tenho uma rotina definida. Isso não quer dizer que eu não fuja dessa rotina, que eu não erre. Eu erro várias vezes. Mas o máximo que tento controlar pela manhã funciona bem.
Não preciso me vestir como se fosse trabalhar, porque já trabalho há muito tempo remotamente. Mas pode ser que essa dica funcione para você porque estava acostumado a se vestir para trabalhar. Então, seu cérebro já conecta essa ação à ideia de que você vai trabalhar. Eu, por exemplo, quando tomo banho de manhã, meu cérebro já liga.
Por isso, é importante a rotina. O seu cérebro conecta essa rotina à ideia de que você vai trabalhar e já ativa todas as partes do seu corpo para trabalhar.
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Concordo muito com o que você falou sobre a rotina matinal. E uma coisa que me deixava muito mal psicologicamente eram as notícias ruins sobre a pandemia. Minha primeira meia hora era conferir as notícias, WhatsApp, e eram muitas notícias ruins nessa crise. Eu já iniciava meu dia muito mal. Portanto, não conseguia ter produtividade e ânimo para fazer as coisas. Isso era muito prejudicial.
Outro ponto é que, na Agência Papoca, trabalhamos remotamente e há muita comunicação assíncrona. Recebo uma mensagem e não necessariamente preciso responder em tempo real. É uma mensagem ou dúvida que posso responder quando eu entrar. Não preciso estar online para falar com a pessoa. Mas há muita gente que está em fuso horário diferente. As pessoas, normalmente, estão cinco horas à minha frente.
Quando eu acordava, já estava sobrecarregado, com muitas coisas a resolver. Era uma carga emocional muito forte. O que fiz foi deixar o celular no modo avião, acordar, tomar banho, tomar café, medito e só depois ligo o celular. A partir daí, começo a trabalhar. Isso tem me ajudado muito.
Se quiserem mais dicas, no podcast 3, conversei com a Amanda, do Trello. Ela deu várias dicas sobre trabalho remoto.
Lucas, você começou a trabalhar remotamente há muito tempo e foi se adaptando. Até hoje, erramos bastante. Você consegue indicar qual foi o maior erro quando você começou a trabalhar remotamente ou algo que mais prejudicou a transição?
Com certeza, é não dividir tempo para a vida pessoal. É não ter clareza e entender que isso é importante para mim.
Vejo bastante a realidade que consumir muito a cultura americana em que as pessoas são muito workaholic. Querendo ou não, trabalhamos na área de tecnologia, e consumimos muito a cultura de lá, livros de lá e somos tão workaholics quanto eles e esquecemos da nossa vida e da saúde mental. E isso é muito importante.
Há dois anos, fui diagnosticado com depressão. Então acabei olhando para isso com mais seriedade. Se eu não cuido, é como se eu estivesse sempre lidando com a minha produtividade. Na medida que não cuido da minha vida pessoal, abaixo a minha produtividade no trabalho.
Muitas vezes, tem dias que trabalho até menos e produzo muito mais, porque consegui fazer com que minha rotina me dê tanta felicidade de que tenho de perder aquela vida e, logo, dedico com mais carinho as horas trabalhadas do que simplesmente para ganhar dinheiro.
Vejo o trabalho remoto como um propósito de estilo de vida, para eu ter mais espaço para mim mesmo. Isso foi um erro que cometi lá no início.
É muito difícil, um processo de longo prazo equalizar. Mas vejo como principal ponto. Se você pensar nisso logo no início, não terá tantos problemas quanto eu já tive.
Deve haver esse balanceamento, senão não conseguimos viver nem o trabalho nem a vida pessoal.
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Falando do erro e que isso trouxe várias dificuldades. Como teve várias empresas, você consegue apontar um dia que foi o mais difícil trabalhando remotamente ou como empreendedor? Há algum dia que impactou na sua rotina?
No início da minha outra agência, começamos a formar times. Não tínhamos clareza de como fazer. O trabalho remoto não era muito claro naquela época por questões legais. Começamos a trabalhar pessoas e tivemos dois modelos de contratação. Um modelo era mensal e outro era por job pronto.
Em agência, isso é mais complexo. Das duas pessoas que trabalhavam com a gente naquela época, tínhamos feito esse modelo e achamos que faria mais sentido pagar mensalmente para uma delas. Porém, tivemos várias problemas com a pessoa que recebia mensalmente e a que recebia por job estava entregando absurdamente. Não sabíamos o que fazer com essa outra pessoa. Quando pensamos em demitir que nos tocamos que era o modelo de trabalho.
Quando alteramos o modelo de trabalho para pagamento por job, ela começou a ganhar muito mais que antes e a produzir muito mais. Esse aprendizado foi algo que me impressionou muito.
Sempre encarei que as pessoas olhavam para o salário recorrente como uma forma de estabilidade. Elas se sentiam mais tranquilas com isso. Sempre apostava muito nisso. Mas, depois de ver a diferença de performance… É como um barulho da corrida do Uber, em que pinga um dinheirinho quando termina um job. Fica mais evidente que a pessoa se sente mais motivada em entregar.
Já tive vários dias difíceis. Já tive vários sites infectados por vírus, vários problemas bem complexos. Mas o que mais impressionou na minha rotina como empreendedor foi ver essa diferença de performance e ter, de certa forma, sido um pouco conversador na maneira que trabalhamos na empresa, sendo que já usávamos o trabalho remoto.
Essa forma de pagamento por job é comum para produtores de conteúdo, mas não é comum para quem trabalha com Analytics, por exemplo. Isso acabou funcionando muito bem, tanto é que a forma como trabalho nas minhas empresas atuais. O pessoal ganha muito mais, porque entrega valor. E é nisso que acredito hoje. Foi um aprendizado que acabo levando para a vida.
Voltando um pouco ao trabalho remoto em si. Falamos de erros, mas vamos falar de coisa boa também. Qual o maior acerto que você teve no trabalho remoto, que aumentou sua produtividade e o deixou mentalmente bem?
A melhor coisa que fiz foi começar a viajar. Basicamente, é, ao mesmo tempo, trabalhar e curtir um sonho meu.
Sempre amei viajar. Fiz intercâmbio aos 19 anos para a Bolívia e vi que era isso que queria para minha vida. Larguei o CLT por causa disso. Comecei a empreender por causa disso.
Na ideia de viver viajando, a primeira viagem que fiz foi para o Caribe do México. Era absurdo o lugar. Mas foi lá que aprendi a lógica de dar incentivos para mim. Foi lá que entendi que se eu terminasse meu trabalho, teria toda aquela beleza para explorar lá fora.
Viver viajando foi o que me fez descobrir como ser produtivo no trabalho remoto. Seria insana a ideia de ficar 12 horas preso no quarto sendo que eu tinha o mar do Caribe ali fora.
Essa lógica de entender que se terminasse o trabalho, eu ganharia de recompensa o mar do Caribe… Sei que isso não é realidade para muitas pessoas, entendo completamente, mas dá para simular isso mesmo num regime fechado de quarentena. Inclusive, com chocolate.
É óbvio que esse estímulo não é o suficiente para você trabalhar no longo prazo, mas, em curto prazo, os estímulos fáceis de perceber funcionam muito para mim. Esse foi meu maior acerto, porque, a partir desse momento, comecei a hackear minha produtividade. Sabia que mesmo no dia que estivesse mal, eu performaria melhor se tivesse esse incentivo.
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O ponto de insight que podemos tirar é ter um hobby ou aliar a qualidade de vida e esse incentivo. Para você, foi viver viajando, mas, para outra pessoa, pode ser cozinhar, tocar uma música, fica com os filhos ou ver um filme. É qualquer coisa que te deixe feliz. Esse é o principal ponto.
Para o pessoal que terá essa mudança daqui para frente, qual será o maior desafio, seja para as empresas ou para as pessoas?
Acredito que haverá um desalinhamento entre o funcionário que vai perceber que pode trabalhar de casa e o empreendedor que não teve uma experiência tão boa com o trabalho remoto.
Vamos abrir uma discussão sobre trabalho remoto que será necessária. E é muito importante trazermos essa discussão para depois da pandemia, porque é uma realidade que já existe.
Para quem teve o privilégio de trabalhar remotamente nesse período, será inevitável falar sobre isso. O maior desafio será o diálogo dentro da empresa de como viabilizar isso e o que será possível.
Mesmo as empresas que trabalham remotamente há algum tempo, algumas voltam a ter um escritório porque algumas pessoas reclamam de isolamento e várias outras coisas.
O trabalho remoto não é, necessariamente, tão simples assim. Mesmo empresas que já trabalham há muito tempo e performam muito bem têm essas discussões.
Acho que abriremos espaço para diálogo que antes não estava tão claro, porque agora o trabalho remoto é uma realidade para muitas empresas porque aconteceu.
Pode não ter acontecido da melhor forma possível, mas as pessoas terão de conversar sobre isso. O maior desafio será as pessoas se educarem para ter uma boa conversa sobre e não simplesmente se basearem por achismos ou experiências que aconteceram num momento de crise.
Você já falou que é nômade digital, que vive viajando. Você também já foi atleta de vôlei, fez cinema, tem várias paixões. Qual a importância que você dá para esses hobbies ou atividades fora do trabalho?
Se você não tem um hobby, ao trabalhar, você se sentirá entediado. E tédio é uma coisa que todos têm empatia com essa palavra agora.
Vocês sabem o tempo que é ficar dentro de casa e não ter muito como sair dali. Não há o restaurante, poder ir a um parque, porque estamos em quarentena.
Esse sentimento acontece com muita frequência no trabalho remoto, e os hobbies são essenciais para manter você criativo e produtivo ao mesmo tempo.
Tenho uma energia criativa muito alta. Não foi à toa que fiz cinema. Também tenho energia física, fui atleta por um tempo. Se não estou criando enquanto estou fora do trabalho, estarei no trabalho. E isso é um problema.
Toda vez que coloco toda minha energia criativa no trabalho, deixarei de ser criativo no próprio trabalho e passo a performar menos, porque meu trabalho é estratégico.
Hoje, na quarentena, em que tenho ficado todo o tempo em casa, tenho adicionado coisas à minha rotina. Já cozinhava há muito tempo, mas agora inventei de fazer pão. É algo que tem todo um trabalho e toda uma metodologia, que me ajudam no dia a dia.
Os hobbies fazem parte da gente. Não são simplesmente entretenimento por si só. Eles moldam a gente em uma direção.
Também tenho um affair com a música, carrego meu violão para onde vou e preciso daquilo para me manter criando. Eu escrevo coisas criativas. No meu Instagram, falo sobre saúde mental.
Acabo consumindo muitos livros de outras lógicas e outras vertentes, não fico só pilhado em marketing, porque o que me faz ser um profissional bom trabalhando remotamente e ter ideias criativas é, justamente, consumir de várias outras coisas que são meus hobbies. E todas essas coisas me formam um profissional melhor.
Só sou um profissional melhor porque não fico bitolado no meu trabalho do dia a dia. Consigo trazer coisas de fora.
No fim das contas, tem de entender que nos dois terços em que você não está trabalhando do seu dia, que usa para dormir ou fazer outras coisas, são seus. E você precisa preenchê-los de coisas úteis.
Não adianta trabalhar menos e usar o tempo apenas para ir para praia, você se sentirá mal e entediado, só consumir sua criatividade.
Existem alguns estudos em andamento e teorias até mesmo de Freud que indicam que a energia criativa pode levá-lo à depressão por si só. Essa energia negativa não expressada.
Portanto, é muito importante trabalhar o tempo todo essa energia criativa nos hobbies. Precisamos da interação com as pessoas ou com atividades novas.
Você já citou alguns livros aqui no bate-papo. Há alguma dica adicional que possa dar ao pessoal?
Tentarei dar uma dica diferente, porque sei que o pessoal não fala muito sobre este. É o The Year Without Pants. É o livro do cara do WordPress.
É muito legal e, basicamente, fala sobre a ideia de futuro do trabalho. Estas coisas estão muito conectadas: futuro do trabalho e trabalho remoto. E como pensar nas pessoas e como elas trabalham a partir desse novo prisma.
Vivemos uma revolução tecnológica há muito tempo e não nos adaptamos em relação ao trabalho. E essas são as discussões em relação ao futuro do trabalho.
Esse livro conecta as duas coisas muito bem: futuro do trabalho e trabalho remoto. Recomendo bastante.
Há algum filme ou série?
Gosto muito de Mindhunter, mas vou falar o por quê. Tenho muito apresso aos tópicos relacionados a saúde mental. E Mindhunter fala uma série de como temos de olhar para essas coisas. Ali, vão ao extremo, porque falam sobre serial killers. Há um policial do FBI que tenta entender como um serial killer chega àquela condição.
Quem é o problema para a sociedade? Essa é um pouco a discussão do filme do Coringa. Foi a sociedade que criou o doente mental ou é o doente mental que estraga a sociedade?
E acho muito legal olhar isso, para entendermos pelo menos os contrastes. Este será o momento onde a saúde mental será muito mais importante.
Havia uma tendência que depressão seria um dos motivos mais comuns de afastamento de trabalho neste ano. Provavelmente, isso vai piorar por causa da crise e das demissões. Mas acho legal todos os gestores e empreendedores olharem para saúde mental com mais carinho, porque isso será um problema ainda mais grave nos próximos anos, principalmente porque temos muita informação.
Teremos a possibilidade de trabalhar remotamente, e as pessoas terão de estar aptas a fazer escolhas. E isso não é algo que aprendemos. Sempre vivemos num mundo de escassez. Hoje, vivemos num mundo de abundância e você tem de saber o que quer para saber onde você vai.
É legal ver a série, para entender esse contraste, mesmo olhando a questão da violência que causa na sociedade, para abrir a cabeça para a saúde mental.
A série é genial. É fenomenal. Não quero dar spoiler, mas você consegue ver a evolução da saúde mental do personagem principal à medida em que ele evolui no trabalho. E essa evolução pode ser para melhor ou para pior. É a sociedade, não estamos todo dia bem ou mal. Dependendo da carga do ambiente externo, você vai sendo moldado. É muito legal. E ao ver com olhar aberto, a experiência é ainda mais gratificante.
E há alguma dica de blog, Twitter, podcast ou meio de informação pelo qual você consuma conteúdo?
Falando sobre trabalho, curto muito o blog re:work. É, basicamente, um blog interno do Google. A ideia é colocar todas as práticas de trabalho deles.
Eles são uma referência em relação à gestão de pessoas. Sempre que estou com dúvida sobre trabalho, como definirei meta ou trabalhar de forma diferente com meus fornecedores, olho lá. Sempre me dá insights incríveis.
Com base em todo nosso papo, que foi muito legal, há alguma pergunta que não fiz, mas que você gostaria de falar e passar uma mensagem.
Foco novamente na questão da saúde mental. Esse será um tópico muito importante para a gente.
Passamos por uma era de muita educação, mas olhamos pouco para tomada de decisão. Já somos ensinados na escola a escolher a profissão que dará mais dinheiro, a escolher a vida mais glamourosa.
Por mais que pareça minha é glamourosa, tenho muitos problemas e muitas escolhas que não faço para ter essa vida. Fico distante dos meus pais e da minha família. Fico sozinho por muito tempo. Portanto, tenho de lidar com a solidão. E todas essas discussões foram conscientes em algum momento. Para tomar decisões conscientes, temos de ter muita clareza do que a gente quer para saber se compensa. E essa clareza é algo que a gente não discute.
Inclusive, já infelizmente enfrentei várias situações e ouvi vários relatos, mesmo de pessoas trabalhando em startups do estilo Google, sofrendo várias situações de abuso por parte dos empreendedores, justamente por causa da glamourização do trabalho e não entendendo que cada pessoa é um ser humano em si.
Precisamos dar essa mudada no olhar e entender que o capital humano é mais importante do que qualquer outra coisa. Temos de olhar para ele como um ser vivo, não como peça de relógio.
As pessoas importam muito. E quanto mais você se importa com as pessoas e elas conseguem ser melhor com elas mesmas, elas conseguem ser melhores para a empresa também. Essa é uma mentalidade que precisamos repetir e lembrar.
Essa estatística da depressão me chamou muita atenção. Chegamos a um ponto em que a saúde mental teve de ser um problema para começarmos a olhar. E ainda há pouca coisa falando disso para as empresas.
Não tenho nenhum livro para recomendar que fale sobre saúde mental para empresas, mas tenho vários livros de trabalhos individuais. Você encontra em Ted Talks. Ainda é uma discussão muito nova, inclusive em mercados mais evoluídos, como dos Estados Unidos.
É uma discussão muito importante. Mesmo livros como Drive, do Daniel Pink, que falam sobre motivação intrínseca, desenvolver as atividades com maestria e ter autonomia nas suas tarefas, ainda não são levados a sério pela maioria dos empreendedores.
É algo que mudará a performance das empresas que olharem para isso mais cedo.
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Infelizmente, ainda vivemos num cenário em que ainda há muito preconceito com a qualidade de vida, com a saúde mental, com depressão, com transtornos de ansiedade.
Os empreendedores ou mesmos os pares acham que é frescura, corpo mole ou que não existe, que é invenção. E é tudo real, acontece.
Precisamos dar um olhar, ter mais empatia. Eu mesmo tive um momento em que estava tão sobrecarregado, com nível de estresse altíssimo, que eu vomitava 15 a 20 vezes por dia. Tinha uma crise de ansiedade tão forte que gerava ânsia de vômito.
Estava tão estressado que tive de reconstruir todos os meus dentes de baixo, porque moria com tanta força de estresse que quebrei todos os meus dentes.
Às vezes, você fala e as pessoas acham que é mimimi. Mas você não tem escolha.
E esse é o momento mais grave, quando seu corpo reage e diz que você não está entendendo o que está acontecendo e vai dar alguns avisos de que está tudo muito mal. É quando começamos a prestar mais atenção. Se tivesse cuidado anterior a isso, não precisaríamos chegar aos extremos.
Para finalizar, um momento jabá. Se quiser falar mais da Scalout, da remotebox, de seu Instagram, fique à vontade. O espaço é todo seu.
A Scalout é uma agência de otimização de performance. Trabalhamos com otimização de conversão. Ali, temos trabalho bem legal de analisar como está o tráfego, como está a proposta de valor do site e fazer as otimizações necessárias para aumentar as conversões.
Sempre gostei muito de performance. Inclusive, saí da minha outra agência para montar uma agência voltada só para isso. A Scalout é meu xodó.
A remotebox é outro sonho que tenho, que é trabalhar com educação. Estou tendo essa oportunidade de trabalhar agora com as coisas que amo. E a remotebox foi feita para trabalhadores remotos, para ajudar essas pessoas a se adaptar a essa rotina.
Temos uma comunidade. Vamos lançar em algumas semanas uma certificação de trabalho remoto, que será gratuita. E logo à frente, teremos cursos pagos, desde saúde mental, até coisas mais verticais de trabalho remoto para empreendedores autônomos ou para pessoas que querem trabalhar com empresas e times grandes.
A remotebox já tem uma comunidade aberta. Se você quer trabalhar com uma garela legal, pode entrar lá. Estão sendo lançadas várias novidades.
Para quem saber mais sobre minha rotina, no meu Instagram, sou muito aberto para falar da minha depressão por si só, como é meu trabalho, como é viver viajando. A minha ideia não é ficar romantizando nada. Sou contrário a essa ideia e fazer reflexões sobre o que é ter essa vida. Se você tem essa dúvida, se quer viver desse jeito ou não, ou afinidade a esses temas de saúde mental, meu nome é Lucas Morello e você achará fácil.
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