Diante do isolamento social provocado pela pandemia de coronavírus, muitas empresas foram obrigadas a adotar o regime de trabalho remoto. O home office, antes comum apenas às startups, passou a ser a regra no mundo corporativo. A mudança drástica, obviamente, é reflexo de um grave problema de saúde enfrentado em todo o mundo, mas segue uma tendência que se consolidava entre as novas modalidades de trabalho.

Desde a última década, o trabalho remoto já vinha ganhando mais adeptos, com diversos estudos apontando vantagens do home office, como aumento de produtividade e diminuição de custos. Porém, outras inovações em relação a modelos de trabalho também têm colhido resultados positivos.

Você já imaginou trabalhar menos dias na semana ou então dividir seu cargo com outra pessoa? Essas duas práticas já vêm sendo testadas, inclusive no Brasil. A seguir, conheça mais detalhes sobre cada uma delas e saiba, efetivamente, como elas funcionam.

Job sharing: o compartilhamento de cargos

Em abril de 2019, a Unilever anunciou que testaria a aplicação do job sharing em sua área de recursos humanos. Com essa medida, uma das diretorias de RH da multinacional passou a ser compartilhada pelas gestoras Carolina Mazziero e Liana Fecarotta. Mais do que simplesmente dividir a liderança de uma equipe, elas passaram a compartilhar o cargo.

Enquanto Carolina passou a trabalhar às segundas, terças e quartas, Liana ficou com as terças, quartas e quintas. Durante os dois dias em que ambas estão no escritório, elas se dedicam ao desenvolvimento em conjunto de planos estratégicos, com reuniões presenciais.

Você deve ter notado que não citamos as sextas-feiras. No dia que antecede o fim de semana, as duas gestoras têm folga. Além disso, há flexibilidade de horários. Segundo a Unilever, o “principal objetivo desse projeto é permitir a conciliação de uma carreira ativa com suas prioridades pessoais”.

O compartilhamento da diretoria de RH contribuiu para os planos das gestoras. “Passávamos por um momento relativamente parecido na vida pessoal, em que gostaríamos de ter mais tempo para cuidar de nós mesmas, estudar e dedicar tempo às nossas famílias, e discutimos alguns cenários que fossem benéficos tanto para nós como para a empresa”, contou Carolina Mazziero.

“Nossa ideia foi recebida com entusiasmo em vez de ceticismo. O mundo está se transformando rápido e as grandes corporações precisam acompanhar o ritmo, e mais que isso, precisam tomar a dianteira e liderar essas mudanças”, destacou Liana Fecarotta.

Confira o depoimento de gestoras da Unilever que já adotavam o compartilhamento de cargos em outros países:


A atitude da Unilever pode ser considerada inovadora para o mercado brasileiro, mas não seria uma novidade no Reino Unido. Segundo a Robert Half, em 2014, 48% das empresas de Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte já ofereciam o formato de compartilhamento de cargos, com diminuição da carga horária. 


Por lá, a administração pública estimula que funcionários compartilhem seus cargos e
oferece um manual para que sejam feitas candidaturas conjuntas por vagas. Nos processos seletivos, há uma entrevista simultânea com os dois candidatos.

Como consequência da diminuição da carga horária, a remuneração é proporcionalmente reduzida. No entanto, pessoas que já trabalham nesse formato apontam que a possibilidade de ter mais tempo livre aumenta significativamente a qualidade de vida.

Para que o job sharing alcance os resultados esperados, algumas regras e padrões costumam ser adotados. É comum que as duas pessoas tenham uma conta de email conjunta, uma só mesa e o mesmo número de telefone fixo. Além disso, é deve haver o compromisso de respeitar as decisões do colega e nunca enviar ordens contraditórias aos subordinados.

Diminuição de dias trabalhados

Como citados ao falar sobre job sharing, é comum que as pessoas que dividem os cargos trabalhem menos dias por semana. Todavia, a diminuição de dias trabalhados não se restringe à adoção desse novo modelo de trabalho.

Em entrevista à BBC, Kath Blackham, CEO e fundadora da agência de marketing australiana Versa, indicou que a receita da empresa aumentou em 46% e os lucros quase triplicaram desde que uma mudança no regime de trabalho foi adotada em 2018. 

Na Versa, ninguém trabalha às quartas-feiras. Os funcionários da agência fazem um dia normal de trabalho às segundas e terças-feiras e depois retornam para outros dois na quinta e sexta-feira.

Embora nenhuma reunião seja agendada para as quartas-feiras, caso haja uma emergência de algum cliente, os funcionários têm o compromisso de atendê-lo.

Depois de alguns problemas de comunicação com clientes e prazos perdidos no início da mudança no regime de trabalho, a equipe da Versa reorganizou seus padrões de trabalho para se tornar mais eficiente. As reuniões passaram a ter mais foco e momentos de distração se tornaram raros.

“O que me propus a provar foi que em uma das indústrias mais improváveis, conhecida por jovens trabalhando por diversas horas consecutivas, é possível fazer funcionar se você descobrir algo inovador”, disse Kath Blackham.

O exemplo da Versa não é um caso isolado. Ainda na Oceania, a administradora de fundos, testamentos e patrimônios Perpetual Guardian, da Nova Zelândia, constatou que a diminuição da semana de trabalho para 4 dias resultou em ganho de produtividade entre seus 240 empregados.

Após a redução de 40 horas semanais para 32, os resultados dessa ação foram mensurados por pesquisadores da Universidade de Tecnologia de Auckland e os funcionários apontaram melhora de 24% em seu equilíbrio entre vida e trabalho, com ganho de disposição para o período em que estão na empresa.

“Os supervisores disseram que a equipe estava mais criativa, que a participação era melhor, que chegavam no horário e não saíam cedo nem faziam longas pausas. O desempenho real no trabalho não mudou ao fazê-lo durante quatro dias, em vez de cinco”, ressaltou Jarrod Haar, professor de recursos humanos da Universidade de Auckland, em entrevista ao New York Times.

Ainda que os funcionários trabalhem por menos tempo na Perpetual Guardian, não houve redução de salário. “Se você produzir em menos tempo, que motivo eu teria para reduzir seu pagamento?”, ponderou o fundador da empresa, Andrew Barnes. 

No vídeo abaixo, Andrew Barnes descreve como aplicou sua ideia de uma semana com quatro dias de trabalho:

Home office ou trabalho remoto

No Brasil, a Reforma Trabalhista de 2017 regulamentou o teletrabalho e definiu as obrigações das empresa. Entre as mudanças que passaram a ser previstas em lei, para que os colaboradores deixem o regime de trabalho presencial e haja a implantação do home office, a mudança deverá ser feita por meio de acordo entre as partes e registrada em contrato.

Com o amparo legal, o trabalho remoto ganhou mais adeptos no Brasil. Contudo, a tendência se tornou efetivamente uma realidade a partir da pandemia de Covid-19, que obrigou as empresas a adotarem o regime de home office para evitar aglomerações. 

Ouça o episódio do Digicast com a advogada Fernanda Pereira e receba dicas jurídicas para a aplicação do trabalho remoto:


Antes mesmo da pandemia, alguns estudiosos sobre novas modalidades de trabalho já defendiam que o home office passasse a ser o padrão nas relações trabalhistas. O professor de economia Nicholas Bloom, da Universidade de Stanford, se tornou um dos grandes defensores dessa tese depois de realizar pesquisas que mostram que o trabalho remoto pode aumentar a produtividade das equipes.


Confira no vídeo abaixo as explicações de Nicholas Bloom sobre os estudos desenvolvidos com funcionários da agência de viagens chinesa Ctrip.


O aumento da produtividade é apenas uma das vantagens do home office apontadas por estudos e pesquisas. Entre os benefícios gerados por essa modalidade de trabalho estão também:

  • Diminuição de custos;
  • Aumento da qualidade de vida;
  • Impactos sociais e ambientais.

Aqui, você pode conferir os detalhes das vantagens do home office apontadas por diversas pesquisas.

Independentemente do tamanho de sua empresa, a adoção de novos modelos de trabalho que permitam aos funcionários o aumento na qualidade de vida tendem a se refletir também em sua produtividade. 

Todavia, para que isso se torne realidade, é preciso criar uma cultura organizacional em que a comunicação seja clara e transparente. 

“Para a empresa funcionar, você tem de fazer a comunicação da melhor forma possível. E isso exigirá planejamento e regras claras. Dá trabalho, é chato, mas é chave no trabalho remoto”, alerta Rafael Damasceno, co-fundador da Supersonic, empresa que adotou o trabalho remoto desde o dia de sua fundação e foi classificada como Great Place to Work.

Confira toda a entrevista com Rafael Damasceno no quarto episódio do Digicast:

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