As soluções de compliance também se aplicam aos clubes de futebol. No Brasil, onde o esporte é paixão nacional, manter uma gestão interna em conformidade com a legislação pode ser o caminho para conquistar bons resultados em campo.

 

Criada no ano passado, a Lei nº 14.193/2021 abriu a possibilidade de os clubes instituírem a chamada Sociedade Anônima do Futebol, uma modalidade especial de constituição jurídica. O texto estabelece as normas para governança, controle e transparência, além dos meios de financiamento da atividade esportiva.

 

A expectativa é que a partir da criação da lei, cada vez mais, os times de futebol do Brasil estabeleçam uma gestão interna empresarial. O que a princípio pode parecer a implantação de processos burocráticos, na prática, especialistas acreditam que possa significar um diferencial para obter resultados.

 

A instituição do compliance no futebol brasileiro é apontada como o caminho para aumentar a credibilidade e conquistar patrocinadores, o que pode oportunizar investimentos para o clube.

 

Crise no futebol profissional reforça importância do compliance

A crise vivida pelo Cruzeiro exemplifica como as irregularidades praticadas no âmbito interno impactam negativamente o desempenho do clube em campo.

 

Em 2019, a Polícia Civil do Estado de Minas Gerais (PCMG) instaurou inquérito para a investigação de crimes como lavagem de dinheiro, uso de dinheiro de fachada e venda de direitos de menores. Membros da diretoria e conselheiros foram afastados e, na época, o time mineiro sofreu um déficit monetário milionário.

 

A situação refletiu no atraso de salários e aumento de ações judiciais, o que tornou a situação financeira do clube ainda mais delicada. Em 2021, por conta de uma dívida com o time uruguaio Defensor, o Cruzeiro foi impossibilitado de registrar novos atletas.

 

Agora já como “clube-empresa”, o Cruzeiro, tetracampeão brasileiro, tem o projeto de se reerguer internamente e retornar à série A do Brasileiro.

 

Canal de denúncias é ferramenta de suporte

Assim como em qualquer organização, o programa de compliance deve ser instituído a partir do entendimento da legislação que abrange a atividade. A proposta é garantir que o clube mantenha a conformidade com as leis e normas vigentes.

 

O programa deve estabelecer um Código de Ética com as diretrizes internas que serão adotadas por todos os funcionários. Para assegurar o comprometimento geral, é necessária a realização de treinamentos de compliance e avaliações de desempenho.

 

Uma ferramenta indispensável ao programa de compliance é o canal de denúncias. De acordo com o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), ele é responsável por “promover a ética corporativa”.

 

Isto porque funciona como porta de entrada para as denúncias de irregularidades cometidas dentro da empresa. Uma vez que a informação é recebida, é instaurado um processo interno de investigação e, caso seja constatada a veracidade da situação, a punição prevista pelo Código de Ética deve ser aplicada.

 

O IBGC acrescenta que o canal de denúncias serve para prevenir, detectar e solucionar irregularidades. No caso do futebol, este trabalho pode definir os rumos do clube dentro e fora dos campos.

 

Para funcionar é preciso colocar em prática

Como ressaltado em artigo escrito por membros do Núcleo de Pesquisa em Direito Penal Econômico da Universidade Federal do Paraná (UFPR), a aplicação dos pilares de um programa de compliance é um processo possível, com efeitos reais e mensuráveis, e que traz benefícios ao clube de futebol.

 

São evidenciados oito pilares para a implantação e funcionamento do compliance: “suporte da alta administração, gerenciamento de risco, definição de políticas e procedimentos, treinamento e comunicação, canal de denúncia, investigação, due diligence, e monitoramento e auditoria”.

 

Seguindo essa estrutura, é importante que o clube esteja atento às suas particularidades. Em relação ao gerenciamento de riscos, por exemplo, é observada a necessidade de vigiar todas as esferas participantes do clube, como alta cúpula, empresários, todos os empregados e jogadores e torcedores – uma vez que esses podem manipular resultados ou, por exemplo, praticar atos racistas.

 

Canais especializados avaliam a gestão de clubes como Palmeiras e Flamengo como exemplos de programas de compliance que deram certo, justamente por colocar conceitos de gestão sustentável e responsável em prática.

 

A partir do primeiro ano de mandato do ex-presidente Paulo Nobre, o Palmeiras, por exemplo, instituiu um controle financeiro rígido, saldou dívidas antes de fazer novos gastos e não adiantou cotas televisivas. Desde 2013, a reformulação ajudou o time a alcançar oito títulos.

 

Já o Flamengo implantou e seguiu normas transicionais e, contando com os dirigentes para cumprir o programa, conquistou dez troféus.

 

Na prática, observa-se que possuir órgãos de fiscalização, para além de uma ação burocrática, pode fazer a diferença no momento de obter sucesso. Diretoria Executiva, Conselho Deliberativo, Conselho de Fiscalização, entre outros órgãos, integram clubes de estruturas rígidas e que levam a sério normas de compliance.

 

Conforme avaliação dos especialistas, pulverizar o processo decisório dentro de um clube de futebol e garantir que múltiplos órgãos de fiscalização, controle e gestão atuem concomitantemente são maneiras de elevar a confiabilidade do mercado nessas empresas. Isso porque esses aspectos garantem que a companhia não fique submetida à arbitrariedade de apenas um indivíduo e seus interesses.